sábado, 29 de outubro de 2011

Caio traduzido

Crônica*

Tradutora Graciela Ferraris
Tradução que se preze tem que ser de alma. E quem lê as entrelinhas do Caio lá no país dos hermanos – a Argentina – atende por Graciela Ferraris, professora de letras na Universidade Nacional de Córdoba. Tradutora de literatura brasileira, já traduziu também Milton Hatoum e Vitor Ramil e a AACF foi lá, conhecer um pouco da vida da Graciela e encontrar o CaioF na vida dela.

Tudo começou com alguém no Brasil, amigo de um professor na Argentina que resolveu partilhar (ou presentear-lhe) o Caio. Em apesar de ser muito difícil encontrar obras do escritor no país, este professor, “numa tarde divina de outubro”, como ela mesma conta, em 2004 encontrou um único exemplar em uma livraria e não deixou passar: Fragmentos. “Leia e se gostar, escolha um conto e apresente-o à turma” - era a dedicatória que acompanhava.

E para quem lê de cara Aqueles Dois, ainda que em outro idioma, não consegue não se apaixonar. “Fui seduzida pela sua forma de escrever, o cuidado com que trabalha, a sutileza e a poesia dos seus textos; (ele) é um apaixonado pela palavra e isso é evidente”, conta ela. A tradutora se reconhecia e também à sua geração nos contos de Caio, já que os dois países atravessaram momentos históricos e políticos parecidos. Assim veio e vontade de fazê-los chegar ao hispânicos.

Graciela acredita ser possível encontrar alguma coisa da literatura contemporânea argentina nos textos do Caio. Segundo ela, em algum momento, ele escreve que sua escrita tinha mais a ver com esse sujeito que está “à deriva” no conto de Horacio Quiroga, que com a literatura de autores brasileiros que achava mais distantes. “Talvez porque estariam em contextos muito diferentes”, conta.

Caio nasceu em Santiago, RS, fronteira com a Argentina; ouviu boleros e tangos E cruzou cidades argentinas para visitar os avós. Era de se esperar que entrasse em contato com a literatura do país. “Em alguns dos contos do Caio, seus personagens tomam nomes usados por Cortázar e são mencionados, como Persio, de Pela Noite (1982), que disse ter escolhido tal nome da novela Los Premios, de Julio Cortázar. Em outros casos, a temática se relaciona com a obra do argentino, como é em A gravata, em que o objeto toma vida própria e se aproxima do pulover azul cortazariano de No se culpe a nadie”, diz a tradutora.

Caio brincava com música, fazia experimentações linguísticas, referências e homenagens sutis a amigos. E essa via não foi e nem é, portanto, de mão única. Uma literatura “assim tão apaixonante”, nas palavras de Graciela, não tem como não conquistar qualquer leitor.

O problema é quando se chega ao ponto de sentir a necessidade de abrir um livro que desperte interesse desses que te dão muito mais do que se pode escrever na superfície. “Depois de uma leitura ‘caiofernandiana’ o leitor sente um enorme prazer em ter se dedicado a lê-lo. E ler Caio significa também começar a conhecer outros aspectos de um Brasil que no geral nos chega através de um estereótipo, que cai em certos clichês lamentáveis porque deixam de fora uma cultura diversamente rica, próxima à nossa e ao mesmo tempo distante, porque é desconhecida.”


Em Córdoba, cidade da tradutora, a leitura “caiofernandiana” alcançou primeiro as leituras e o público acadêmico, só então as editoras. Graciela conta que, na Faculdade de Língua da Universidade de Córdoba, os estudos sobre ele começaram em 2005, na graduação, sendo transferidos e restritos à pós-graduação em 2010. Além disso, segundo ela, uma estudante de Cultura e Literatura Comparada, da mesma faculdade, prepara uma tese sobre o Caio.

Tal cenário mostra que faz realmente pouco tempo que a obra do Caio passou a ter visibilidade na Argentina. As primeiras traduções foram as compilações Pequenas Epifanías, em 2009 e Frutillas mohosas, em 2010; a novela ¿Dónde andará Dulce Veiga?, em 2009 e algumas antologias que incluem textos do autor, a partir de 2008.

São esses os primeiros passos de Caio na Argentina, que, segundo Graciela, é um fato de importância, vez que retrata a leitura ganhando asas em seu país, não mais restringida seja por questões de idioma, ou pela dificuldade em conseguir livros. E que Caio atravesse continentes!
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Pesquisadora em Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia e Humanidades – UNC, Graciela ministra aulas de português na Faculdade de Línguas da UNC, e na Faculdade de Filosofia e Humanidades da UNC. É membro do PROPALE – Programa de Promoção e Fomento da Leitura, da Faculdade de Filosofia e Humanidades da UNC. Tradutora de literatura no Brasil (Milton Hatoum, Caio F. Abreu, Vitor Ramil).

*colaboração: Laura Papa e edição de Pree Leonel

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